sexta-feira, 21 de setembro de 2012

O Deus dos derrotados


Todos na vida querem ser um Ayrton Senna, nunca Rubinho Barrichello. Porque desde pequeno somos convencidos que o mundo é dos que vencem. A lei universal da sobrevivência do mais forte sobre o mais fraco já se estabelece muito cedo na concorrência das relações familiares entre irmãos, nas disputas das brincadeiras de rua, e depois no colégio, quando somos compelidos a entrar na corrida desleal de quem é mais inteligente, mais bonito, de quem decora mais, quem tira a nota maior, de quem joga mais, desenha mais, escreve mais, e de quem consegue mais garotas. Na faculdade a história se repete e igualmente na especialização, no mestrado, no doutorado, no trabalho, na repartição, no departamento, na fábrica, no balcão. Sim, você pode argumentar e tentar me convencer que existe o lado positivo disso, que é bom pra incentivar garra e senso de valor.

Mas convenha comigo, sempre a concorrência exalta uns e atropela outros. A sociedade, a mídia e as propagandas de um modo geral estão prontas para enaltecer os capazes e chutar a bunda dos incapazes. E entre uma realidade e outra, os que não são eficazes se sentem totalmente inadequados na tentativa de sobreviver no mundo competitivo. Os obesos, os negros, os feios, os pobres, os improdutivos, os diferentes e os lentos de raciocínio se dão mal em qualquer lugar no mundo.

Infelizmente isso também ocorre dentro da própria igreja. Aqueles que oram mais, que jejuam mais, que “ganham mais almas”, que produzem mais tem maior possibilidade de ganhar mais medalhas de reconhecimento, como o Mutley, o cachorro do Dick Vigarista do desenho da Corrida Maluca, e os que não levam jeito, os que são modestos, os que não tem desenvoltura aprovada pela liderança são vistos como cristãos de segunda categoria, por que na prática só os vitoriosos são recompensados na corrida pela “perfeita santidade”.

O problema é que o fracasso nunca é anunciado no relatório estatístico apresentado a igreja no final do ano e a derrota e o fracasso se tornam resíduos incômodos varridos pra baixo do tapete, e os defeitos e fracassos dos irmãos são restolhos escondidos e entulhados no galpão dos breguessos esquecidos. Alem disso tudo, via de regra a própria igreja é culpada sim, por impor a venda de uma imagem distorcida, de que é composta de crentes invencíveis, infalíveis e cheia de super-crentes destemidos, de testemunho irrefutável.

Em meio a tanto triunfalismo, dá até vergonha mostrar fraqueza de qualquer tipo, e o jeito é se esconder hipocritamente por trás de uma máscara de dissimulação.

Mas enfrentemos a realidade. O que dizer dos segundos lugares, dos que perdem lutas, dos frustrados, dos esquecidos, dos diferentes, dos não privilegiados, dos não reconhecidos, dos que não obtém o desempenho exigido, dos que ficam para trás e não conseguem permanecer satisfatoriamente na corrida dos melhores lugares no mercado de trabalho na sociedade e na igreja? Onde estão eles?

Em contraste a esse embuste descarado, é absolutamente desconcertante descortinar a Verdade e ver que o Deus que é revelado nas Escrituras se mostra como um Deus fraco. Um Deus que se deixa ver desvalido e impotente, e conseqüentemente, um Deus plenamente solidário com a fraqueza humana. Esse Deus corre risco, não se impõe pela força, esbarra no livre arbítrio humano, e é atropelado por obstáculos aparentemente insignificantes, e enfrenta duras resistências como é exemplificado na saga misteriosa de Jacó.

Antigo Testamento, Vale do Jaboque, fronteira de Israel. Madrugada fria, as primeiras nesgas de luz despontam no horizonte, em meio ao lusco-fusco do amanhecer se percebe uma luta marcial entre dois vultos que lutam por horas noite adentro. O Anjo do Senhor, tipificação clara da presença de Jesus no VT, revela fraqueza e cansaço ao digladiar-se com Jacó. O Deus pré-encarnado vacila, resfolega e se deixa vencer, não sem utilizar um recurso derradeiro típico dessas lutas: descola o tendão da coxa do adversário. Jacó sente a dor aguda e claudica desnorteado, orbitando em torno de seu opositor, a coxa dói, uma marca pra toda vida e uma transformação radical, agora é Israel, príncipe que luta com Deus e vence. Um Deus que fraqueja para se fazer vencedor.

Novo Testamento, monte Calvário, imediações da cidade de Jerusalém. Teologicamente, o maior exemplo da fraqueza do Deus Todo-Poderoso é demonstrado ali.

Para quem olhasse de qualquer ângulo, via-se Deus morrendo. O Homem-Deus agoniza, seus cabelos estão emplastrados de sangue coalhado, suas costas esfoladas pelas chicotadas. Paulo chega a mencionar o paradoxo da fraqueza de Deus sendo mais forte que a força dos homens, e a kenosis de Deus se esvaziando como um balão.

Observe! Quer maior identificação com a fraqueza humana do que essa? Quer ver um homem sem glamour e totalmente despido de charme, beleza, ou qualquer atrativo físico? O profeta Isaías o viu assim, sem formosura e nenhuma beleza que justificasse o desejá-lo. Quer ver alguém abandonado, sem fãs e sem pessoas que o admirem? Quer ver alguém tão solitário, caindo vertiginosamente no abismo da mais densa treva de solidão, que o próprio Pai o abandona na hora mais excruciante de sua vida?

A cruz demonstra que Jesus, a encarnação do Amor se caracteriza pela identificação total. E durante sua caminhada pela terra Ele não se acercava de vitoriosos, das pessoas influentes, antes se voltava compassivamente para esse tipo de ser humano marcado pela fraqueza e pelo preconceito, ele andava com párias, com homens e mulheres de reputação duvidosa, prostitutas, publicanos e pecadores. Os fracassados. Os não atrativos, os não populares. Os segundo lugares. Ele bem que podia ter chamado jovens nota dez que conquistaram o último grau na escola rabínica, os graduados. Mas não. Jesus foi atrás de homens comuns, que abandonaram a sinagoga para seguir a carreira simples de seus pais, e se tornarem meros pescadores anônimos. Outros chamados eram subversivos, e outros, odiados coletores de impostos.

Penso que Jesus e seu Pai, à semelhança do pai (Dustin Hoffman) de Greg (Bem Stiler), na comédia “Entrando numa Fria maior ainda”, que se orgulhava dos terceiros, sextos e décimos lugares de seu filho, exibindo em sua sala de estar certificados e quadros comemorativos desses eventos, nosso Pai celestial também expõe na parede de Sua casa, certificados de nossos segundos lugares, marcadores que demonstram nossa sinceridade e esforço de fazer o melhor, (como a menção a Maria de Betânia, que Jesus diz que ela fez o que pode no derramar o caro perfume em Seus pés) e isso com o maior orgulho de paizão. Por que Deus não olha o desempenho ou a performance, mas a verdade no íntimo e a sinceridade do coração.

Sim, agora saiba que não há dor maior, abandono total, desinteresse absurdo e injusto dos homens, preconceito e desrespeito tão acentuados que não possam ser amplamente supridos por esse Deus que prefere mais a fraqueza à facilidade e status de glória humana.



Porque não temos um sumo sacerdote que não possa se compadecer de nossas fraquezas, porém um, que como nós, em tudo foi tentado em todas as coisas, mas sem pecar”- Autor da carta aos Hebreus.MANOEL SILVA FILHO

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