A relevância de uma pessoa ou instituição é o resultado da validade ou pertinência dos seus valores em sua aplicação numa existência pontuada na coerência com que os pratica. Em outras palavras, visto da perspectiva do contraditório, se aquilo que alguém apregoa em termos de valores acaba sendo desmentido por seu modo de vida, então sua mensagem se torna impertinente, e sua vida, irrelevante.
E por que isso é importante? Porque vivemos numa época em que todas as instituições são questionadas e desvalorizadas. Isso não é um fenômeno novo, vem do Iluminismo, quando as instituições — principalmente a igreja e sua liderança — tiveram de deixar o pedestal de “intocáveis” e passaram a ser alvo de duras críticas. Nesse ponto, só uma coisa sempre importou para uma instituição manter-se viva e atuante: demonstrar sua coerência, pertinência e relevância históricas.
Falemos da igreja. Ora, a relevância da igreja ocorre quando ela se sobressai, se ressalta, quando é proeminente e de grande valor; quando o que vive e a mensagem que prega são convenientes aos interesses da própria vida como Deus a instituiu; quando importa à sociedade e se torna indispensável àqueles a quem serve.
A igreja é pertinente quando a mensagem que prega é importante e válida, não somente aos de fora, mas também aos seus membros, principalmente os líderes. Mas ela só tem coerência quando procede de modo próprio e suas ações são consequentes, ou seja, quando sua vida demonstra a coesão e a reciprocidade dos valores que apregoa.
É esse conjunto de valores que permite à igreja se habilitar como serva da sociedade, mesmo estando espiritualmente acima desta. Ao mesmo tempo, isso permite à sociedade funcionar como “juíza” e “cobradora” de coerência entre aquilo que é pregado e vivido pela igreja.
A igreja é o corpo místico de Cristo, mas é composta de gente de carne e osso, que ri e chora, que sua e geme. Desse modo, ela é identificada nas atitudes e ações de todos os que afirmam seguir a Jesus. Se o testemunho de um crente — principalmente do pastor — corresponde ao que Jesus ensinou, mesmo que nada seja dito ou louvado, ainda assim haverá ali um “luzeiro no firmamento” a indicar o caminho da excelente verdade divina.
Em contrapartida, se o testemunho desdiz a palavra pregada, não é sem razão que o julgamento da sociedade resulte em descrédito. É perfeitamente compreensível, portanto, que a sociedade exija do pastor o que não exige de nenhum outro profissional. Qualquer outro profissional pode obter sucesso público sem que se leve em conta a sua vida privada ou seu caráter. Mas com o pastor é completamente diferente.
Um ponto de suma importância é que o pastor tem de tratar da questão do pecado. Isso incomoda, pois mexe com interesses que subjazem na existência privada de muitos. O cristianismo é único nesse ponto. Não fora isso, a sociedade já estaria irremediavelmente arrasada e sem seguras referências morais e espirituais.
Outras religiões passam ao largo dessa delicada questão. Mas, ao dar “nomes aos bois”, chamando de pecado o que, mesmo socialmente aceitável, é condenado pela Bíblia, e depois disciplinando e buscando curar essas feridas morais e espirituais, o pastor acaba ficando exposto às mesmas cobranças que apregoa. Pois ele também é gente, mortal e falível, comete erros e peca. E quando isso ocorre, perde a graça e se torna proscrito. São essas mesmas razões que desafiam o ministério pastoral a buscar resgatar sua credibilidade.
Causa-me pesar o fato de o ministério pastoral estar sofrendo, hoje, de tão grande descrédito na sociedade. Dói-me saber que alguns “pastores” — que na verdade não o são, por causa de suas práticas alheias ao verdadeiro evangelho, pelo seu comportamento mundanizado e por pregarem “um outro evangelho” — estão trazendo afrontas ao bom nome de Cristo. Isso, contudo, não inviabilizará o santo ministério.
Creio que Deus vai nos dar as ferramentas necessárias para reformar o que se deformou, para escoimar o que criou crostas, para polir e aperfeiçoar o que se tornou cheio de defeitos, de modo que possamos novamente demonstrar a mesma e necessária essência que resulte numa diferença visível entre os que vivem “de modo digno do evangelho de Cristo” e os que são meros aproveitadores (Fp 1.27).
O cerne do evangelho não é o discurso, mas o exemplo, o que é vivido. Alguém disse que pior inimigo do cristianismo não é o Diabo, são os próprios cristãos “profissionais”, cujo testemunho não exala o bom cheiro de Cristo, só o odor azedo de um “outro evangelho”.
Desse modo, é importante que a igreja e os pastores, assim como todos os crentes, mostrem coerência entre o que pregam e o que vivem, pois só assim a sua mensagem terá os frutos de ser pertinente aos anseios da sociedade e totalmente relevante para abençoá-la. Samuel Camara
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