terça-feira, 27 de maio de 2008

Ainda existem pastores vocacionados


Durante nossa participação em um Seminário de Treinamento de Líderes em Macaé, percebemos uma grande mudança no cenário do ministério pastoral na Igreja Evangélica Brasileira. Em uma turma de trinta alunos, na sua maioria com formação universitária, participou apenas quatro pastores que buscavam melhor aperfeiçoamento na obra de evangelização, o que aguçou minha curiosidade. Foi então que um dos docentes que atuava no trinômio: pastor-médico e professor, relatou que basicamente cerca de 70% dos alunos dos seminários desse instituto fundado na América do Norte, são líderes com potencial de crescimento nas igrejas, onde observei que fala-se cada vez menos em formação pastoral e mais em formação de líderes. Curiosamente, como bem explanou o pastor Ricardo Barbosa de Souza da Igreja Presbiteriana do Planalto em Brasília/DF, a palavra “líder” não aparece na Bíblia descrevendo aquele que serve a Deus em sua igreja. Assim como também, não aparece durante vinte séculos de vocação pastoral. Também não foi usado para descrever nenhum dos santos ou mártires que dedicaram a vida à Cristo. Foi incorporado a nova realidade da Igreja, a necessidade premente da formação de líderes ao contrário da expressão “pastor” ou “sacerdote” que é teologicamente e biblicamente mais bem definida. Segundo teóricos da comunicação, a imagem do pastor trazida da vida rural, ainda que se ajuste aos propósitos bíblicos do chamado divino, encontra-se desgastada no contexto da Igreja Pós-Moderna. Há quem diga que o pastor moderno tem que incorporar ao seu currículo, as profissões de psicólogo, advogado, terapeuta, administrador e marketeiro para atender as necessidades do mercado religioso emergente. Parece-nos que o Salmo 23 terá que sofrer uma adaptação nos tempos modernos que a Igreja atravessa.
Aquela velha imagem do pastor pregando aos domingos uma mensagem com muita unção, aconselhando os casais, visitando os enfermos, orando, ensinando a Bíblia na Igreja e nas reuniões nas casas, cuidando dos órfãos, evangelizando os dependentes químicos está fora de moda, antiquada. Foi substituída pela figura do líder espiritual pós-moderno, personalidade forte, erudito, carismático, poliglota, um verdadeiro executivo da fé de uma igreja multinacional, um super pastor midiático, totalmente contrário ao modelo de liderança chamado por Cristo.
Segundo a ótica do mercado religioso, pastor bem sucedido e vocacionado ao ministério da Palavra é aquele que lidera um grande rebanho, que está na mídia eletrônica, possui vários carros importados, mora em uma mansão na beira da praia, viaja todos os anos para Jerusalém em excursão, batizando no Rio Jordão e visitando o túmulo de Jesus, onde derrama lágrimas de alegria pelo seu sucesso ministerial.
O líder da Igreja pós-moderna está mais preocupado com a estrutura eclesiástica, o crescimento numérico do rebanho, com as últimas ferramentas tecnológicas para fazer brilhar os olhos das ovelhas e aumentar sua contribuição com ofertas polpudas.
O líder religioso eletrônico não conhece o nome de suas ovelhas, não sabe onde elas moram, não conhece suas dores e feridas. Comunhão, amizade e disciplinado não fazem parte do seu dicionário bíblico.
A competitividade denominacional crescente na Igreja Evangélica Brasileira, hoje, reflete com seus modismos e ofertas com mensagem de prosperidade, auto-ajuda, vitórias ufanistas as estruturas eficientes do mercado e menos a glória da imagem de Deus em Cristo. Contudo, mesmo com a profissionalização do ministério pastoral, as verdadeiras ovelhas do rebanho de Jesus continuam clamando por pastores a moda antiga que tenham compaixão pelas almas perdidas, cansadas e aflitas.
O Dr. Marcos Palma, médico em Niterói, contava-nos que recebeu em seu consultoria uma senhora que após descrever suas dores fruto de sua enfermidade, começou a chorar copiosamente e a falar sem parar. Quando ela viu a bíblica sobre a mesa, perguntou-lhe se ele era evangélico e pediu uma oração.
Após a leitura bíblica, intercessão e aconselhamento a paciente acabou se tornando uma ovelha de Cristo. Aquela mulher buscou um médico, um psicólogo, mas necessitava verdadeiramente de uma palavra pastoral. Onde podemos concluir que quando alguém vai até o pastor, não está procurando um psicólogo, mas um pastor.
Analisando também o casting de uma grande gravadora gospel brasileira, percebemos que quase 60% de seus artistas, também acrescentaram ao currículo, o título de pastor ou pastora.
Já não basta o título de levita, cantor sacro, artista de Cristo, líder do ministério de louvor, ministro de louvor, os executivos na indústria fonográfica decidiram que o título de pastor traz mis credibilidade e tem o efeito multiplicador nas vendas dos CDs e DVDs, como também na cobrança dos cachês, que eles chamam de oferta missionária. Se não, o porquê dessas inúmeras ordenações pastorais? Parece até estratégia de marketing.
Quando você pergunta a um desses novos cantores-pastores, qual foi a última vez quer ele participou da Ceia do Senhor em sua Igreja, ele se cala ou desconversa. Quando você pergunta onde se encontra o seu rebanho? Eles respondem: espalhados por todo o Brasil.
Há pouco tempo atrás, esteve em nossa igreja, um cantor-pastor pentecostal que está fazendo muito sucesso com vendagem crescente de CDs e DVDs, onde ele canta as vitórias do crente fiel. Durante o culto, o doublé de cantor e pastor, cantou, pregou, sapateou, plantou bananeira, falou em línguas e no final entregou revelações com data marcada para acontecer, que segundo ele, Deus havia ordenado entregar para Igreja, o que causou grande expectativa no meio da congregação.
Passado alguns meses ao visitar uma Igreja na região, a convite de um pastor amigo dos meus dias de juventude, encontrei este mesmo cantor-pastor com a mesma pregação, as músicas, sapateando, línguas mecânicas e a revelação decorada e genérica do tipo: “Deus me revelou que existe alguém aqui, que está passando por um grande problema, mas Jesus lhe garante nesta noite a sua vitória”. O resultado final, todos nós já conhecemos, a igreja teve uma catarse coletiva e a venda instantânea de todos os produtos, com direito à autógrafos e dedicatórias do “homem de Deus”.
Como bem declarou o Rev. Eugene Peterson no clássico de vida cristã: “A vocação espiritual do pastor”, estamos vivendo dias confusos e difíceis em que o profissionalismo vem tomando o lugar da vocação, porém, não podemos abrir mão do verdadeiro e belo chamado de Deus para nossas vidas: o chamado pastoral. “E levantarei sobre elas pastores que as apascentem e nunca mais temerão, nem se assombrarão, e nenhuma delas faltará, disse o Senhor”. (Jr 23:4).

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